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Por Mauri Cruz |
Antes de retrucar reconheço que é quase impossível alguém vir a Porto Alegre participar do Fórum Social e não estabelecer uma comparação com as edições do Fórum Social Mundial de 2001 a 2005. Atividades massivas com intelectuais de renome internacional, na sua maioria europeus, dissertando contra o neoliberalismo, pensamento único da época. Dava-se recados diretos ao Fórum Econômico de Davos. Eram a cidade da resistência, quase que única barricada à se erguer contra o sistema financeiro internacional ousando defender a ideia de que um outro mundo era possível.
Que um participante do Fórum Social ou mesmo a mídia conservadora tenha esta nostalgia não é tão estranho. Me preocuparia se os dirigentes das organizações e movimentos sociais tivessem essa compreensão. Felizmente, pela ampla adesão dos mais variados tipos de movimentos nacionais e internacionais à edição do Fórum Social Temático de Porto Alegre qualquer alusão de seu esvaziamento é equivocada.
Ouso dizer que nesta edição estamos conseguindo rearticular de forma efetiva as principais redes e organizações sociais brasileira que estiveram no inicio do processo do Fórum Social e, de lambuja, agregando redes e movimentos internacionais que tem tido um papel efetivo na internacionalização das agendas e metodologias do FSM em todos os continentes. Haverá mais de 37 eventos ligados ao Fórum Social no ano de 2014 em todo o planeta, discutindo agendas de interesse social e agregando lutadores de todas as matizes políticas.
Em Porto Alegre, desde a retomada em 2010, não nos propomos a reunir quantidade e sim qualidade. Mais que isso, não nos propomos a convidar pessoas apenas para falar a um grande público, mas reunir militantes sociais das várias redes e experiências a fim de trocar experiências e impressões sobre as alterações da conjuntura mundial e o papel dos movimentos e organizações sociais.
E é a alteração da conjuntura mundial que exige que haja uma outra dinâmica política nos processo do Fórum Social Mundial. O mundo de 2014 guarda pouca semelhança com o mundo de 2001. Apenas para ilustrar pego emprestada a fala de Bernard Cassen na mesa de ontem promovida pela Abong sobre a crise capitalista quando dizia que em 2001 as ideias e propostas do FSM era somente isso, ideias e propostas. Não havia sequer um governo que tivesse experimentado sua eficácia. Hoje, há várias experiências não só na América Latina, mas na África e Europa que implantam as propostas por nós defendidas em várias áreas, seja da economia popular, dos direitos sociais ou mesmo da participação popular. Defender estas políticas públicas e avaliar sua eficácia é tarefa e responsabilidade da militâncias organizada dentro do Fórum Social. Aqui reside mesmo uma questão chave, dando sequência a fala de Cassen, que é a relação dos processo do Fórum Social com as dinâmicas de poder, seja nacional em relação aos governos, seja internacional em relação aos espaços multilaterais de governança global.
Isso não significa, na minha opinião, que o Fórum Social deva se colocar numa perspectiva de poder, e sim seguir trabalhando na consolidação das conquistas e no aprofundamento das mudanças. Não é menor o papel de protagonismo que as organizações do processo fórum tem nas lutas no norte da África, ou na luta internacional dos direitos das mulheres, ou mesmo no debate da mídia livre e democrática.
Antes de finalizar gostaria de afirmar que reunir milhares de militantes sociais representando centenas de redes de movimentos e organizações de mais de 60 países para debater a crise capitalista, os limites da democracia representativa e as questões da justiça social e ambiental não é uma iniciativa menor. Milhares sim, porque se tivermos uma média de 30 pessoas somente nas 270 atividades inscritas oficialmente isso representa mais de 8 mil participantes. E ainda há outra novidade que é a participação através das redes sociais nas discussões durante o próprio Fórum. A interatividade expande a participação de forma geométrica. Somente no site oficial foram mais de 17 mil visitas e interações, sem contar com igual ou maior interatividades nas redes ligadas ao Fórum Mundial de Mídia Libre, o Fórum Mundial de Educação, na rede WSFTV, no hotsite da Tenda Hip-Hop Brasil, nos debates virtuais do Espaço Ubuntu, os diálogos da economia solidária e o Conexões Globais. A importância do Fórum Social Temático deve ser medida pela realização de momentos de diálogos entre os vários movimentos nacionais e internacionais, do diálogo entre lideranças históricas das organizações sociais brasileiras com as novas lideranças dos movimentos que desabrocharam desde 2010 tanto no Brasil como em outras partes do mundo e a costura de uma agenda comum para o próximo período histórico.
Não tenho dúvida que o Fórum Social continua se reinventando e cumprindo seu papel. E Porto Alegre se mantém sendo um dos territórios políticos onde este papel se desenvolve de forma democrática, plural e multicultural. Muitas coisas precisam ser aprimoradas nas dinâmicas de organização, na gestão da infraestrutura, na democratização dos espaços e na sistematização dos acúmulos. Aliás, sobre esta questão, Porto Alegre também será uma das sedes do Projeto Memória Viva do Fórum Social Mundial. Por tudo isso, discutir o tamanho do Fórum Social Temático é fugir da discussão essencial que é o debate sobre o seu conteúdo político e a representatividade da militância presente. Como diz Boaventura há movimentos que são representativos e legítimos não por sua quantidade, mas pelas causas que defendem. Com certeza o Fórum Social é um destes movimentos.
Mauri Cruz é advogado socioambiental, especialistas em direitos humanos, dirigente nacional da ABONG – Associação Brasileira de ONGS e membro do Comitê de Apoio Local ao FSM.
fonte: http://www.sul21.com.br/jornal/forum-social-que-sera-que-se-destina/
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