
Leo Dahmer
Vereador de Esteio – PT
Lendo o artigo do antropólogo Roberto Damatta a respeito daquele juiz aposentado que atropelou dezenas de ciclistas em Porto Alegre, me atrevi a fazer algumas analogias. No artigo Damatta, para explicar o desrespeito às regras de trânsito no Brasil, sustenta a tese de que como herança do período colonial e pelo próprio desenvolvimento extremamente autoritário da história do país, nós brasileiros não conseguimos conviver em igualdade com os outros. O pensamento aristocrático da elite que fez do estado um instrumento de fazer valer interesses privados e amassar o interesse público esta presente na cultura do trânsito. Um motorista dentro do seu carro, no seu espaço privado, sente-se um “deus” que está para além das regras, que pode tudo e os outros não importam.
Como vamos aceitar que no trânsito cada um, ciclistas, pedestres, carros, tenham seu espaço, seus direitos, se a cultura introjetada em nós não nos faz perceber os outros como iguais. Esse autoritarismo presente em nossa constituição cultural faz com que as regras de trânsito sejam tão descumpridas em nosso país.
Isso me ajudou a refletir um pouco melhor as atitudes das pessoas inclusive no universo da política também. Por mais que a esquerda, nas suas diversas matizes, assuma o desafio de transformar a sociedade. Como projeto para acabar com a opressão, com a injustiça, respeitando a democracia, o direito das pessoas a livre organização e opinião, os governos são feitos de pessoas, pessoas do nosso tempo, com os vícios desta sociedade em que vivemos.
Se uma tentação autoritária ronda as nossas práticas mais cotidianas, o que falar delas aliadas às instâncias de poder? Isso talvez explique a dificuldade que alguns “profissionais da política” tenham em aceitar o contraditório, em não suportar a idéia de que existam fóruns que pensam diferentes estratégias. De que a sociedade civil existe para além dos governos e que, portanto não precisa estar em sintonia com os calendários oficiais. De que as pessoas e as entidades não são aparelhos a serviço de interesses eleitorais e vaidades pessoais.
Do interior dos gabinetes não se enxerga a vida nas ruas, nem se está em sintonia com as pessoas, que na minha avaliação é o que importa. Aliás, não seriam os governos que deveriam se adaptar, ou estar em sintonia com a sociedade civil e não o contrário?
A democracia pressupõe o diálogo respeitoso e não a imposição de força do mais forte contra o mais fraco. Acredito que Damatta captou. Que os carros, e eu acrescento, os governos, sejam dirigidos por cidadãos conscientes e respeitosos, para a sorte de nós ciclistas.
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