segunda-feira, 22 de outubro de 2012
Cidadão Kane e o jornalismo
Por Luísa Schardong
Rosebud. Ainda que seja esta a primeira palavra dita pelo protagonista do filme Cidadão Kane, não é rosebud que confere, sozinha, significância à trama, pelo menos sob a ótica jornalística. Botão de rosa, em tradução livre do inglês para o português, se configura como um pretexto para que Orson Wells, diretor e produtor do longa, possa introduzir a história do filme, construído a partir de flashbacks e estruturado em uma narrativa não linear, algo inédito na época. O fato de um jornalista, Jerry Thompson, falar sobre a vida de outro jornalista, Charles Foster Kane, também tornam tudo mais interessante.
Durante o filme, fica evidente a mistura dos aspectos da vida privada do protagonista, Kane, e de sua vida profissional, já que ambas estavam nitidamente atreladas. Este ponto pode ser observado na cena em que Kane instala-se no jornal Inquirer, levando, junto consigo, seus pertences, sua cama e suas malas. Já a vida pessoal de Kane era um espelho de sua personalidade egocêntrica, o que também refletia na sua forma de administrar o jornal e produzir as matérias nele veiculadas. Quando Kane não escrevia as matérias, era ele mesmo o conteúdo delas.
Embora determinadas alterações editoriais no Inquirer fossem realmente necessárias, bem como mudanças que aproximassem o leitor daquele veículo, a forma leviana e displicente como Kane as realiza, causam estranheza, principalmente por se tratar de um meio noticioso e formador de opinião. Kane realiza mudanças não só no formato editorial do jornal, mas na forma como trabalham os jornalistas ali empregados. A cena em que ele analisa os jornais concorrentes e indaga ao editor o porquê de uma determinada notícia não estar publicada no Inquirer, fala de forma debochada e leviana sobre como um jornalista deveria conseguir informações sobre o caso, se utilizando de subterfúgios mentirosos, que enganassem o possível entrevistado.
Esta cena é apenas uma das muitas que se seguem nas quais Kane viola sua própria declaração de princípios, uma espécie de Código de Ética, publicado na capa de uma edição do jornal. Escrita por ele, esta declaração é constantemente violada, o que mostra como tanto o poder econômico advindo de um meio de comunicação quanto a sensação de ser autoridade no que os outros pensam (como o próprio Kane afirma durante o filme), pode influenciar de forma negativa a relação do jornalista com o jornalismo que ele próprio pratica.
Ainda que Kane fale de si mesmo como jornalista, aja e seja tratado por outros como tal, percebe-se que ele não frequentou uma escola de jornalismo, não tendo uma formação específica na área como é exigido atualmente. Assim, seu talento com a escrita não seria suficiente para torná-lo um profissional da comunicação, no cenário atual.
Outro aspecto relevante se refere ao fato de Kane ser um “jornalista marrom”, ou seja, era adepto do jornalismo sensacionalista, bem como do ideológico. Talvez a falta de formação na área tenha-o influenciado a adotar uma postura sensacionalista ante os fatos, principalmente por que, desta forma, fica-se atrelado apenas a um tipo específico de viés jornalístico, não tendo contato com outras formas de produção editorial e textual.
O confronto eleitoral entre Kane e Jim Gettys, e o desenrolar da relação política entre eles também expõe toda a falta de ética e moral pela qual o jornalismo pode passar, bem como o poder que o mesmo exerce sobre a população e como Kane, que considerava a si mesmo uma autoridade no que os outros pensam, dobrou-se sob o poder e por uma situação que ele próprio criou. Fica claro que assim como o poder que emana dos meios de comunicação pode moldar uma figura política, pode também, destruí-la.
Na época, considerado ruim e ofensivo, atualmente Cidadão Kane é avaliado como um clássico do cinema. Seja pela exploração de ângulos das cenas, seja pelo jogo de luzes, pela narrativa construída e até mesmo pelo tema, o longa, exibido em 1941, está mais atual do que nunca.
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